quarta-feira, 24 de junho de 2009

Reflexão sobre o meu, o teu e a responsabilidade.




Nestes últimos tempos, tenho lido muito Françoise Dolto, uma psicanalista francesa de quem gosto e admiro muito. Seu trabalho foi em grande parte com crianças a adolescentes, sendo ela uma referencia da psicanalise infantil.
Dolto conta uma passagem que viveu com seu filho Jean, que na época tinha por volta de 3 anos de idade. Jean tinha ganhado sua primeira arma de brinquedo. ( Não podemos esquecer que Jean nasceu durante a guerra).Aquela arma era a possibilitava a Jean uma identificação com os soldados, heróis da época. Assim, levava a arma para todos os cantos, não se separava dela. Naquele tempo, brinquedos eram caros e difíceis de se conseguir.
Uma tarde,a avó o acompanhou ao parque, e querendo andar no carrossel, não quis deixar que ela segurasse o brinquedo, porque segundo palavras da própria criança, mulheres não seguravam em armas, preferindo deixa-la no chão. Após seu passeio no carrossel, voltou-se para a arma. Para sua surpresa, ela não estava mais lá.
A avó ficou desolada, e esperava que a mãe de Jean ficasse brava, a criança havia perdido o precioso brinquedo.
Chegando em casa , a avó contou o ocorrido para a mãe de Jean, que para a surpresa da avó, não se aborreceu, apenas perguntou se Jean estava aborrecido.
A avó então contou que o menino não tinha ligado para a perda, e que quando a avó tinha dito a ele que perder a arma foi uma besteira, ele retrucou dizendo que não se importava, pois havia uma criança muito feliz por te-la achado. E já que Jean não estava ligando para o ocorrido, porque ela, a mãe, haveria de se preocupar.
Passado alguns dias, Jean pareceu sair de um sonho em que estivera mergulhado por alguns segundos, e disse a mãe que se não tivesse perdido sua arma, poderia brincar de soldado, e ainda completou falando que gostava muito de brincar com a arminha de brinquedo.
A mãe então se volta para Jean e lhe diz, que em uma próxima vez, quando gostar de alguma coisa, terá cuidado para não perde-la. Jean lhe responde prontamente que sim.
O incidente da arma acabava naquele momento, e trazia uma experiencia para a criança, o verdadeiro sentido de um objeto seu, sentia a falta daquilo que gostava, e se ao contrario, fosse repreendido, sentiria somente a culpa de ter feito algo que o adulto desaprovava.
Ao pensar nisso, me recordo da fala de uma mãe, relatando que esconde os brinquedos do filho para que este não os perca. Sua explicação para isso, foi a de não ter que ver seu filho infeliz, ao invés disso, ela os guarda em um local onde ele não tem acesso, e se quiser brincar precisa pedir para um adulto, e ser supervisionado.
Vejo aqui a privação que esta criança vem sofrendo. Esta sendo lhe tirado o direito de ser responsável por seu próprios atos. Ele não sente o que é ter algo dele, pois não decide nada sobre tais objetos, desde a hora de brincar nem o que fazer com eles, como também não os perde. Engraçado pensar que para não perder e se sentir frustrado com isso, ele também é impossibilitado de ter.
Jean possuiu o brinquedo,e teve a oportunidade de aprender o sentido de responsabilidade por seus atos, e também aprender sobre o valor de um bem possuído e perdido. A aquisição dessas idéias é feita ao mesmo tempo em que a da responsabilidade. Antes de adquirir um senso de responsabilidade social, é preciso ter adquirido o de uma responsabilidade individual, com relação a si mesmo e seu próprio bem.
Nem sempre quando pensamos que estamos protegendo nossas crianças, estamos fazendo o melhor para elas, imaginar alguem que não se responsabiliza por seu atos quando esse alguem é uma criança, não nos parece tão estranho, mas imagine agora um adulto.
Experimentar, sentir, amar, perder, viver, é um direito de todos.

Tópico postado po Samantha Goeldi
Samantha é psicóloga, trabalha na AAMEEP desde janeiro deste ano.

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